quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Poesia apesar da CENSURA


Imagem do Blogue do “Museu da Imprensa


40 ANOS SEM CENSURA (?)

Há quem suponha que com o 25 de Abril de 1974 deixou de haver censura em Portugal.

É verdade que a Comissão de Censura só foi oficialmente extinta em 17 de Dezembro, cerca de 8 meses depois do 25 de Abril, há exactamente 40 anos.

Desenganem-se, contudo, os que deduzem que com a extinção oficial da Comissão de Censura deixou de haver censura em Portugal. A luta pela Liberdade de expressão tem de ser uma constante diária sob pena de voltarmos ao 24 de Abril.

É que outro tipo de censores andam por aí e exercem outras formas de censura sob os mais diferentes pretextos.

Eu que o diga!


FADO DA CENSURA

Neste campo da Política
Onde a Guarda nos mantém,
Falo, responde a Censura,
Olho, mas não vejo bem.

Há um campo lamacento
Onde se dá bem o gado;
Mas, no ar mais elevado,
Na altura do pensamento,
Paira um certo pó cinzento,
Um pó que se chama Crítica.
A Ideia fica raquítica
Só de sempre o respirar.
Por isso é tão mau o ar
Neste campo da Política.

Às vezes, nesta planura,
Só o vento sopra do Norte,
O pó torna-se mais forte,
E chama-se então Censura.
É um pó de mais grossura,
Sente-se já muito bem,
E a Ideia, batida, tem
Uma impressão de pancada,
Como a que dão numa esquadra
Onde a Guarda nos mantém.

O pó parece que chove,
Paira em todos os sentidos,
Enche bocas e ouvidos,
Já ninguém fala nem ouve.
Se a minha boca se move,
Logo à primeira abertura
A enche esta areia escura.
Só trago e me oiço tragar.
É uma conversa a calar.
Falo, responde a Censura.

Vem então qualquer vizinho,
Dos que podem abrir boca;
No braço, irado, me toca,
E diz, «Não vê o caminho?
O seu dever comezinho
De patriota aí tem.
Vê o caminho e não vem?!»
Para isso, boas aos molhos!
Se este pó me entrou pròs olhos,
Olho, mas não vejo bem.


(Fernando Pessoa)


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